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Hortelã

Uma carta aberta à hortelã, explorando a metáfora de um jardim para refletir sobre relacionamentos, crescimento pessoal e a busca pelo equilíbrio na vida.

Querido hortelã,

Admirei o seu verde. Não tinha como ignorar a sua presença. As folhas eram fortes, escuras e acompanhadas de ramificações a procura de espaço no jardim. Você se espalhava com prazer, sem dificuldade e sem pudores pela terra toda. E que cheiro maravilhoso, hortelã! Minha respiração aliviava quando eu te prendia nos dedos e cheirava logo em seguida. Invadia meu peito expandindo reação a menta sutil que se intensificava conforme eu mexia as mãos. Ainda nem falei de seu gosto…

Sabe, te por na boca era complicado descrever. O hálito mudava primeiro. Minha saliva ficava suave e só havia a vontade de permanecer com você nos lábios. Quando te misturava com outros elementos, ainda te percebia mesmo tímido. Te sentia nas sombras dos sucos que tomei, dos coquetéis que elaborei. Seu gosto se tornou necessidade em todo gole.

Minha terra não era farta, mas tinha espaço. No começo você conquistou, se espalhou lento sobre as miúdas rosas plantadas. Suaves como seu gosto. Suas raízes eram profundas e mais rápidas do que suas folhas, então me enganei com seu tamanho. Quando vi, transformei sua conquista em dependência. As primeiras limitações de espaço feitas por mim foram ineficazes. Eu cortava, arrancava, suplicava. Perdi espaço no jardim sufocando camomilas, cidreiras e erva doces.

Hortelã, por muito custo entendi o significado de tê-lo em meu jardim. Me deixei anular com seu aroma perfeito e gosto. Assim, não consegui dar conta das necessidades da minha terra. Ela era toda sua. Suas folhas tamparam o sol que poderia acordar outras sementes. Suas raízes sugavam os nutrientes para si. Sua liberdade somada a minha presença anulada te transformavam em uma erva daninha sedutora demais para que eu deixasse minhas paranoias de lado. Fui me deixando ficar ali: parado, com frio e sendo vítima de mim mesmo.

Quando percebi, já não havia mais espaço. Não havia nutrientes em minha terra ou qualquer outra planta que quisesse se manter naquele lugar. Só havia você, suas ramificações e suas necessidades. Meu hálito agora ecoava os medos que eu não conseguia expressar. Cada vez com seu gosto distante e o meu mais próximo, bafo sem vida. Com isso, você escolheu partir. Daquele jardim nada se tinha que pudesse extrair. Não que naquele momento fosse apenas o que você quisesse, mas sim de que serve um jardim sem diversidade?

O problema de jardim com hortelã é que, mesmo se as folhas sequem, as raízes permanecem. Quando hidratadas com atenção novamente, as folhas voltam. A terra precisa ser inteira trocada para que o ciclo não se repita e não há esse processo sem dor.

Hoje, hortelã, sei que o problema não foi o meu jardim. Muito menos suas raízes. Há espaço para diversidade nos pequenos lugares. Você, com suas características, precisava apenas ter sido plantado em um lugarzinho seu. Suas folhas tocariam outros pontos, suas ramificações explorariam a proximidade com outras plantas. Porém, suas raízes jamais roubariam espaços que não fossem seu. Até hoje te procuro mesmo não sabendo se teus sabores estarão por ai. E com o passar do tempo, eles deixaram mesmo de estar.

Fotografia de Felipe Fonseca.

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