Quando as luzes se apagaram antes de você ir, achei que nunca conseguiria encontrar um jeito de acendê-las de novo. Não estava frio e o que eu sentia não era tristeza. Perderíamos o que cada um tinha pelo outro, mas era melhor assim. Abaixamos as armas e nos transformamos em cinzas.
Às vezes, eu corria até as memórias e torcia para ser um conto de fadas. Das cinzas, algo novo para que tentássemos outra vez. Só mais uma. A última. Mesmo que doa, mesmo que machuque. Só mais uma vez.
O peito reclamava da ausência de quem eu costumava conhecer. Só depois entendi que eu não sentia falta de você. Abstinência deixava o corpo paranoico atrás da ilusão de quem você foi para mim. Eu sentia falta de uma sombra, de algo que se perdeu no passado e que, ao meu lado, jamais tomaria forma física.
A amargura na boca existia por não saber em que lugar pisar. Para onde posso seguir? Algum caminho que possa fazer o tempo passar rápido e levar consigo as dores de quem paramos de ser? Algum atalho, por favor?
Enquanto eu mergulhava na perspectiva do nunca, não percebi o que acontecia ao meu redor. Eu nunca me interessaria por alguém outra vez. Nunca sorriria de forma sincera ou teria prazer ao sair na chuva. Meus dias seriam fracassadas tentativas de seguir em frente.
Quando ficou para trás, mesmo tendo partes de você dentro de mim, consegui sorrir ao encontrar um jeito de acender as luzes. Consegui voltar a sentir o gosto de um beijo e o arrepio que os dedos traziam para a minha pele. Me senti confortável para deixar outras pessoas entrarem.
Cada toque e cada beijo me deixavam mais longe da amargura. Traziam para perto as sensações que achava ter perdido e acrescentavam motivo para ter as peles se tocando. Tinham paciência para explorar o que eu havia enterrado sem perceber.
Aos que vieram depois de você, consegui entregar todas as partes de mim que sobreviveram. Entreguei as conversas que não tivemos e a certeza de que minha vida foi melhor do que quando eu estava com você.
Fotografia de Joanna Keler.